sábado, 14 de outubro de 2017

HISTÓRIA DO PRETO VELHO PAI ANTÔNIO

Pai Antônio é um bondoso e amável Preto Velho, que trabalha nos
Terreiros de Umbanda, distribuindo a caridade, a luz, o amor e a paz
com seu tercinho abençoado por Oxalá e todos os Orixás.

Ele de um modo tranquilo e sereno, sempre pitando seu cachimbo,
bebendo seu café com mel em seu cuité e protegendo as pessoas que nele tem fé.

Sua última passagem como encarnado nessa terra se passou pelosmeados do século XVIII e o século XIX, primeiramente em uma fazenda cafeeira na região Sudeste do Brasil, onde era escravizado e obrigado a trabalhar nas roças tanto de café quanto de cana de açúcar, sobre o Sol forte, a chuva intensa, os maus tratos de feitores sobre o comando do coronel que acreditava que os negros não passavam de animais, e mereciam sofrer sobre as chibatas covardes, e os maus tratos no tronco de torturas.

Mesmo assim Pai Antônio não perdia a fé, acreditava em uma força
maior, acreditava que Zambi (Deus) estava ali para lhe proteger de
suas possíveis desesperanças, seu instante de pouca fé, suas
angústias. E assim clamava, rezava e orava a esse tão amável protetor de todos os filhos, passando essa mesma fé e esperança a seus filhos e irmãos de raça, para que assim esses também pudessem crer de verdade, com amor e convicção, sem se deixarem ser tomados pela tristeza que teimava em nascer dia após dia.

Ele pregava a todos para não desanimarem, pois o desânimo os
entregariam para os braços da morte, e se entregando assim para a tão temida morte sem lutar, estariam sendo infiéis a Zambi.

 E com essas palavras Pai Antônio conduzia a todos os negros que
muitas vezes se sentiam sem esperanças a caminhar para um novo dia e uma nova luta.

Pela manhã ou pela noite, dentro da senzala fétida, o amado Pai
Antônio tinha seu encontro com Zambi, e ali ele se entregava com todo seu carinho e fé. Pedia forças não só para ele, mas para todos seus irmãos de raça e seus filhos escravizados, que naquela época já tinha algumas dezenas, sendo ele de boa saúde, forte e de extremo bom senso, foi logo escolhido para ser procriador da fazenda.

Ele amava cada um dos seus filhos e filhas, tinha no coração alegria de vê-los crescer saudáveis e robustos. Mas da mesma maneira as lágrimas nasciam em seus olhos assim como no seu coração quando por algum motivo tinha que se separar de sua prole. E isso era constante, seus filhos iam de senzala a senzala, e logo eram também comercializados para outros coronéis em outras fazendas da região e fora dela. E isso fazia Pai Antônio chorar, saber que um dos seus filhos estaria distante, sendo açoitado, torturado, sofrendo nas roças escaldantes.

Pai Antônio foi o primeiro negro da Fazenda a ter filhos gêmeos, esse fato aconteceu com o entrelace de Pai Antônio com a negra Joaquina, que era apenas uma menina na época, mas como era saudável e bem jovem, o coronel a escolheu para ser reprodutora juntamente com Pai Antônio.

Com ela Pai Antônio teve, além dos gêmeos, mais seis filhos, sendo a última que fora chamada de Antônia em homenagem ao pai.

Pai Antônio fica com uma grande revolta contra os feitores, e fazdisso sua força de continuar a lutar em prol da liberdade dos negros.
E começa a pregar pela liberdade de todos, sendo de uma forma refletida, mas como não teria nenhuma chance de diálogo com os
coronéis, resolveu ele partir para a fuga, sem deixar para trás seus
irmãos e filhos.

 Começou a pregar essa ideia por entre as senzalas da fazenda, ia em cada uma delas para aplicar seu plano de fuga, e com o idealismo de chegar ao primeiro quilombo que conseguisse encontrar, para se refugiar, proteger seus semelhantes e retornar com mais força e assim continuar buscando os negros de outras fazendas da região.

Mas infelizmente Pai Antônio não contava que um dos negros de uma senzala que ficava dentro da área da fazenda, senzala essa que abrigava os negros que trabalhavam nas roças de algodão, bem distante da senzala que Pai Antônio habitava, iria revelar seus planos a um feitor com fama de torturador de negros.

Mas assim foi feito pelo escravo.

Pai Antônio continuava suas andanças por toda a fazenda e por todas as senzalas, tentando mostrar que todos deviam fugir dali, que ele estava na busca de uma saída, na busca do Quilombo mais próximo. E os escravos sonhavam com essa liberdade, dezenas deles apoiaram Pai Antônio, estavam preparados para a fuga, estavam imaginando com alegria o dia que chegariam ao Quilombo, sonhavam com o frescor e a tranquilidade da liberdade.

Após todo o relato ser feito ao feitor sanguinário pelo escravo delator, esse ficou observando juntamente com seus jagunços cada passo de Pai Antonio. E um certo dia, com a ajuda do negro delator, o feitor junto com os jagunços chegam até o nosso amado Antônio no exato momento que ele passava novas instruções aos outros negros.

Ele foi amarrado e açoitado na frente de todos, foi arrastado até o tronco de torturas, e la ficou por vários dias e noites sendo castigado pelo feitor.

A jovem Joaquina soube dessa tortura, ficou desesperada em busca de ajuda, chegando até o coronel da fazenda, que ainda não sabia do ocorrido, e a ele pediu clemência, pediu pela vida de Antônio. O coronel foi buscar respostas com seu feitor, e ao saber do ocorrido disse que não teria como perdoar o negro, pois ele incentivou a fuga de dezenas de negros de sua fazenda, portanto deveria ser castigado até a morte.

Joaquina se lança aos pés do coronel pedindo perdão, e ao ver ele irredutível, diz com um grande ódio no olhar:

"Com essa maldade, senhor coronel, meus filhos foram mortos, outros foram jogados a senzalas podres para morrer. Com essa maldade, senhor coronel, meu ventre morreu junto com meus filhos, sobrando apenas minha filha amada. Se agora senhor coronel, matar o pai dela, ela morrerá também, e com essa maldita maldade que exala de seu coração, se isso acontecer, sua própria maldade vai acabar com sua família assim como está acabando com a minha."

O coronel imaginando saber que muitos negros eram feiticeiros, temeu as palavras da negra. Olhou para o feitor e mandou soltar o negro Antônio. Ele ficaria livre do castigo mas não poderia mais viver na fazenda.

A negra Joaquina ajudando o negro torturado a se levantar, o levou para a senzala, cuidando de seus ferimentos.

Dias após o acontecido chega a fazenda um negociador de escravos, e estava ali para levar Pai Antônio para outra fazenda, isso dito pelo coronel, que na verdade tinha outras intenções. Antônio ia sim para outra fazenda, mas esse negociador de escravos não só negociava a compra e venda de negros, negociava também a morte de negros que ousavam a desobedecer seus senhores, como o coronel não queria que Antônio morresse dentro de sua fazenda, ele fez com que todos os negros acreditassem que ele seria vendido para uma fazenda próxima, sem que eles soubessem que nessa fazenda teria um cárcere que sempre era usado para torturar e assassinar os negros que por qualquer motivo fossem vistos como problemas aos coronéis da região.

Pai Antônio fora levado para essa fazenda, ao chegar lá foi logo colocado no tronco, açoitado, torturado, humilhado pelos jagunços e feitores.

Após muitas e muitas horas de torturas, o negro Antônio perde os sentidos, seu corpo inerte pendurado pelas correntes do tronco, parecendo que já estaria sem vida, quando alguns negros tentando levar um cuité de água para buscar a reanimação do pobre sofredor também são açoitados pelos feitores e jagunços, ele forçando as pálpebras reabrindo os olhos, e com a voz fraca e quase incompreensível, começa a rezar e a clamar pela ajuda de Zambi.

Suas orações parecendo que foram levadas aos céus pelos Anjos do Senhor traz ao negro uma força quase indescritível, que por mais machucado, tanto fisicamente quanto moralmente, ele se ergue, sua voz começa a ter um tom mais alto e forte. Sempre clamando a Deus, ele olha ao céu e agradece ao Pai Maior a força concedida. E isso faz com que os feitores ficassem um tanto  apreensivos, pois como que um negro que após tanto tempo de tortura, que todos já jugavam estar desencarnado poderia de uma hora para outra ter tanta força de viver?

Alguns se afastaram do negro, imaginando ser algum tipo de feitiçaria, outros não saíram do lugar, mas se calaram, aguardando as ordens do chefe dos feitores. E esse chefe foi o primeiro a se manifestar. Com ódio nos olhos, disse que o negro deveria apanhar mais, e ele mesmo foi até o tronco com açoite na mão. Quando ia deferir a primeira chibatada, suas mãos tremeram, no mesmo instante um enorme facho de luz desceu do céu indo direto a seus olhos. A luz era tão forte e intensa que seus olhos secaram, e ele sem nada enxergar, caiu de joelhos ao chão, com as mãos tampando os olhos em gritos de desespero.

Um dos jagunços correu até a casa grande em busca do coronel, e esse veio até o local do acontecido. Esbravejando, o coronel mandou seus jagunços exterminarem o negro, mas todos se afastavam, com um grande receio de algo parecido com que aconteceu com o feitor acontecessem com eles.

O coronel esbravejou mais, o ódio estava estampado em seu rosto. Os negros que estavam em volta se ajoelharam, e junto com Pai Antônio rezavam e clamavam a Zambi, o coronel mandava todos se calarem, mas as orações se prolongavam. Ele enfurecido, de sua cintura pegou uma arma de fogo, apontou para o negro que estava acorrentado no tronco, e disparou. O zumbido oco do estampido tomou conta de todo espaço, e logo veio o segundo som da morte, o cheiro de pólvora se espalhou no ar, e quando todos esperavam ver o sangue do negro jorrando pela terra, ele estava lá, firme, de olhar intenso, sereno.

O coronel não acreditou no acontecido, sua fúria se tornou mais intensa, seus olhos irradiavam ódio, ele no ímpeto vendo o açoite no chão, foi até ele com intenção de açoitar o negro preso até a morte.

Ao levar a mão no açoite, uma serpente rastejante e extremamente nociva o ataca dando um bote certeiro em sua jugular, fazendo-o cair aos gritos de dor e desespero.

Pai Antônio ao ver o acontecido pede aos feitores para soltá-lo, pois ele iria salvar a vida do coronel. Atendido prontamente, ele rapidamente corre até a entrada da mata, sem muita escolha junta um emaranhado de ervas, raízes e casca de algumas árvores. Desse emaranhado ele faz uma junção com um pouco de terra e água. Leva tudo ao encontro do coronel envenenado, faz uma espécie de emplasto colocando sobre a jugular dele. Nesse momento o coronel, já febril e sem sentidos, não tem nenhuma reação. Pai Antônio se coloca de joelhos, e como em transe, fala várias palavras e frases que não são compreendidas pelos observadores.

 A sinhá, esposa do coronel, avisada por um dos jagunços sobre o acontecido, chega rapidamente no local, em desespero, olhos tomados pelas lágrimas, implora ao negro que ele salve o coronel.

Antônio continua como em transe, e com as mãos sobre o emplasto colocado, ele continua suas frases, quando de repente suas mãos tremem numa intensidade muito maior, seus braços já não tendo como suportar tanta energia, seu corpo tomado por aquela força invisível, ele tomba como se perdesse os sentidos, e no mesmo instante o coronel abre os olhos, a dor se acalma, o estado febril já não existe mais. Sente seu corpo fraco, olha em volta, vê o negro caído, observa as pessoas de olhares assustados, vê sua esposa com um sorriso de felicidade e tranquilidade.

A sinhá ordena aos que estão em volta para levarem o coronel para a casa grande, e também deveriam levar o negro Antônio juntamente para o mesmo local. E assim foi feito. Após algumas horas de reabilitação Pai Antônio já estava de ´pé, sua fé e força o restabeleceu, tanto da tortura sofrida quanto do fatídico gasto de energia utilizada para salvar a vida do coronel.

O coronel ficou eternamente agradecido, e deste dia em diante mandou retirar o tronco de sua fazenda, a senzala da morte foi queimada, Pai Antônio ficou sendo um dos braços direito do coronel nos trabalhos na lida, muito respeitado por todos.

Ele viveu na fazenda mesmo depois do desencarne do coronel, muitos e muitos anos depois, e mesmo tendo um tratamento diferenciado onde residia, sentia saudades de sua antiga fazenda, de seus irmãos de raça, de seus filhos, em especial de sua filha, a menina Antônia, conhecida como "Tonha", a filha da negra Joaquina.

Com muito carinho temos a benção de ter como trabalhador na Umbanda, em prol da caridade esse Preto Velho de luz e fé. O grande buscador da paz e distribuidor das bençãos de Zambi, nosso Pai Maior.


Saravá e sua benção meu amado Pai Antonio das Almas.



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