Este
texto trata de algumas reflexões particulares que tenho feito sobre a ética que
deve existir na relação mestre-discípulo, pai/mãe-de-santo e filho-de-santo,
dentro da religião Umbandista.
“Difícil não é ser mestre.
Difícil é ser discípulo”. Porque "mestre"muitos acham que são ou
podem ser.
O Sacerdote ou a Sacerdotisa
dentro da religião de Umbanda (pai ou mãe-de-santo) detém as chaves e os
conhecimentos fundamentais da raiz e da tradição umbandista que cada terreiro
possui.
Como pessoas mais velhas
dentro da tradição religiosa, que construíram o seu caminho antes de nós, o pai
e a mãe-de-santo são reconhecidos como sendo capazes e capacitados para exercer
sua função de líderes espirituais de uma comunidade de terreiro. Isso porque
nosso pai/mãe-de-santo foram também filhos-de-santo daqueles que os precederam
e passaram por um longo período de formação e aprendizado para estarem onde
estão.
Na minha visão, quando uma
pessoa escolhe uma casa de umbanda para frequentar, principalmente se na
condição de médium, ela deve tomar essa decisão verificando se aquele templo
dispõe de princípios de trabalho que se entendam como sendo ricos e coerentes
com as expectativas que esta pessoa possui em sua busca espiritual.
Com mais destaque, quando
falamos daquele que será nosso pai/mãe espiritual. Devemos reconhecer essa
pessoa como sendo portadora de valores ético-morais com os quais nos
identificamos e como alguém de grande experiência na vivência umbandista, sendo
ela quem irá guiar o discípulo pela estrada da iniciação, em cuja imagem e
exemplo devemos nos inspirar.
Não quero dizer que tenhamos
que cultuar, idolatrar e, muito menos, bajular a pessoa de nossa mãe/pai de
santo. Tão pouco devemos procurar nela a imagem de um santo ou anjo perfeito e
infalível, que está a nossa disposição para resolver todo e qualquer problema
de nossas vidas, coisa que está muito distante da realidade de qualquer ser
humano. Contudo, nosso mestre deve ser tido como alguém merecedor de grande
estima e respeito de nossa parte.
Uma vez que escolhi aquela
determinada pessoa para ser minha mãe-de-santo ou pai-de-santo, a ponto de dar
a ela a minha coroa, a minha cabeça para ser “feita” e, consequentemente,
comprometi-me com ela e com a minha comunidade de santo em ligações espirituais
de profundidade, é porque reconheço-a como sendo plenamente capacitada para me
guiar e orientar em minha vivência religiosa/espiritual dentro das Leis de
Umbanda.
O filho-de-santo deve
compreender que desrespeitar o seu Mestre Espiritual é desrespeitar o terreiro
que frequenta, os Guias e Mentores da Casa e os irmãos-de-santo que lhe
compartilham da vivência religiosa. Fazer piadas e debochar do Mestre demonstra
uma personalidade infantil e ególatra, que se pretende ser auto-suficiente e
substituir a figura do pai/mãe-de-santo pela sua própria. Mostrar despeito e
desconsideração para com os ensinamentos e/ou advertências do líder religioso é
achar-se melhor capacitado e mais experiente do que seu próprio mestre.
Na condição de filho-de-santo,
gostaria também de colocar que essas situações são muito do gosto daqueles
seres espirituais que habitam as trevas do mundo espiritual, os quais se valem
destas aberturas que damos em nossos pensamentos mal conduzidos para insuflar
essas atitudes infelizes, minando nossas resistências morais, provocando a
dúvida e o desrespeito para com a Mãe ou o Pai-de-Santo, numa tentativa de
desvirtuar e fazer falir as atividades benéficas e de auxílio que o templo
religioso desenvolve.
Portanto, minha postura deve
ser pautada em uma ética de respeito ao meu sacerdote/sacerdotisa. Suas
palavras e ensinamentos devem ser sempre ouvidos em silêncio, mesmo que no
momento não compreendidos, para serem posteriormente meditados pelo
filho-de-santo para entender o sentido de suas lições. Caso determinadas
colocações ou atitudes do babalorixá/yalorixá tenham causado dúvidas,
discordâncias ou qualquer sentido de contrariedade para o filho-de-santo, este
deve pedir uma conversa particular e direta com seu pai/mãe espiritual. Jamais
colocar sua contrariedade como objeto de discussão pública dentro do terreiro.
Porque muitas vezes, as razões que levaram o líder religioso a tomar
determinadas posturas e medidas estão de acordo com a visão que este possui na
sua condição de líder e de pessoa mais experiente, e que ainda escapa ao filho-de-santo
uma compreensão integral a respeito, justamente por sua inexperiência. Sendo
assim, na ética imposta ao filho-de-santo, jamais este deve fazer da figura,
das atitudes e das palavras de seu pai/mãe-de-santo um motivo de piadas, de
deboches e de despeito, denotando completo desrespeito para com seu líder
religioso, assim como para com a comunidade que o rodeia.
Agora, cumprir obrigação para
com a comunidade de santo não significa, somente, estar presente nas giras e
nas datas festivas, uma vez que isso é algo que o filho-de-santo irá fazer
dentro da sua disponibilidade de tempo dada pelo seu momento de vida e das
atribuições de responsabilidades a que esteja vinculado ou de acordo com a
regra de cada casa. Cumprir obrigações para com a comunidade de santo é ter uma
postura respeitosa para com as regras disciplinares do templo, desde o
vestuário recomendado até o comportamento ético que se exige do filho-de-santo
dentro e fora do templo, para que sua casa, sua religião, os Guias Espirituais,
e seu babalorixá/ialorixá sejam honrados pela sua conduta e seus exemplos.
O filho-de-santo deve procurar
ter uma visão “horizontal” do seu templo religioso. Olhar ao redor e perceber
que para além da sua contribuição pecuniária mensal, indispensável para o custeio
mínimo das despesas do templo religioso, existem atividades necessárias para o
bom andamento da casa e que demandam trabalhadores voluntários para a sua
realização, podendo o filho-de-santo integrar-se as equipes de limpeza e
organização da casa. Pois, quanto mais pessoas interessadas e dispostas a
ajudar, menos sobra para um pequeno grupo de irmãos-de-terreiro que acabam
ficando sobrecarregados, apesar de sua boa-vontade em ajudar sem enfado, nem
reclamação.
Falando de irmãos-de-santo, a
postura ética com respeito aos irmãos de terreiro. Irmão de santo ou de
terreiro é, primeiro e antes de tudo, nosso parceiro de vivência espiritual e
religiosa. Não deve ser visto como colega de bar. Naturalmente, o terreiro não
deixa de ser um local próprio para uma experiência de cunho social e é
completamente aceitável e saudável que as pessoas criem laços de amizade e de
afeição umas pelas outras. Entretanto, isso não deve servir para que os
irmãos-de-santo se vejam, dentro do ambiente do terreiro, como estando em um
churrasco em casa familiar, na qual se vai falando todo o tipo de assunto,
piadas, provocações, brincadeiras, etc.
As conversações devem ser
colocadas em um nível coerente ao lugar onde estão. E o terreiro é um templo
religioso para onde vão pessoas buscando encontrar sentidos maiores para a sua
vida, capazes de fazê-las suportar as provações pelas quais estão passando.
Da mesma maneira, olhar ao
redor e perceber o público que busca a sua casa. Pessoas com problemas de
saúde, com dificuldades no lar, desempregadas, vivendo dramas os mais variados
e inimagináveis. Elas merecem um ambiente sereno e silencioso, onde podem orar
e encontrar paz interior, contando com pessoas (filhos-de-santo) educadas,
respeitosas e atenciosas? Ou merecem ver pessoas como se estivessem num clube
social, em conversações despreocupadas, barulhentas, sobre coisas que nada tem
a ver com o ambiente religioso onde estão?
Quem constrói um ambiente de
paz ou de balburdia são os próprios filhos-de-santo da casa, uma vez que são os
seus trabalhadores.
Assim, provocar situações que
demonstrem desrespeito para com a pessoa do Líder Espiritual, seja fazendo
piadas, debochando de suas advertências e lições, com pouco caso e despeito,
desconsiderar o ambiente ao seu redor e entregar-se a condutas e conversas
relaxadas em igual desrespeito para com os irmãos-de-terreiro e,
principalmente, para com aqueles que buscam a sua casa de Umbanda em busca de
amparo e consolo, é lançar sobre si mesmo o peso das Leis de Umbanda e, por
mais que tais atitudes infelizes possam passar despercebidas ou mesmo serem
fechadas ao conhecimento de seu Mestre Espiritual, jamais elas estarão
desconhecidas dos Guias e Mentores do Templo, os quais tudo vêem e tudo sabem a
respeito de cada um dos filhos-de-santo ligados à sua tradição.
Concluindo, quero enfatizar
que é imprescindível uma postura ética e de estima para com a Mãe e o
Pai-de-santo do terreiro. São eles os sustentáculos humanos dentro de cada
tradição umbandista, são eles que detém as chaves da iniciação e a experiência
construída antes de nós, capazes de nos ligar ao Sagrado e nos orientar na
jornada espiritual dentro das Leis de Umbanda que escolhemos seguir, por
vontade própria, os quais devemos honrar a todo momento, com nossa atitude de
respeito, carinho e, acima de tudo, com nossos exemplos de retidão de conduta e
melhoria como seres humanos dentro e fora do terreiro.
Fraternalmente, Ilé Yorimá.
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