Com frequência maior do que se imagina, chegam-nos pessoas preocupadas e amedrontadas, porque acreditam que, se não fizerem a vontade do guia e não atendê-lo nas oferendas solicitadas, suas vidas voltarão para trás. Outras informam que ficam doloridas após as incorporações e se recusam a fazer obrigação ao Orixá, para que isso não mais ocorra.
Vamos por partes. Primeiro, há de se esclarecer algumas características do
desenvolvimento mediúnico. Os chacras [centros de energia do corpo espiritual]
do médium neófito giram em frequência muito abaixo daquela das entidades do
plano astral que o assistirão. Temos de entender que toda incorporação, aos
moldes umbandistas, passa pelo processo de desdobramento, ocasião em que o
perispírito [corpo espiritual] do médium se coloca ou se expande ou torna-se
mais desencaixado da matriz carnal, para que o espírito-guia se aproxime e
impressione, pela sensibilidade de seu aparelho.
Inicialmente, esse processo, se não bem conduzido em sua intensidade, dado que
a frequência dos chacras da entidade é significativamente mais alta que a do
médium, poderá provocar “violência” vibratória, que impactará em uma
repercussão orgânica dolorida. Isso é verdadeiro. Essa violência não é do
mentor, e sim do dirigente do terreiro, que não tem critério adequado, impondo
incorporações anímicas [quando o transe é manifestado pela ação do inconsciente
do próprio médium, não sendo gerado pela presença de um Espírito] mais fortes,
como, por exemplo, nos casos de longas e extenuantes sessões de
desenvolvimento, com o som dos atabaques ao máximo, sendo tocados
ininterruptamente, por horas, fazendo os médiuns dançarem e rodopiarem. Nada
contra a sonoridade de uma boa curimba, e sim contra os exageros.
Agrava-se essa situação quando esses testes de resistência são feitos em altas
horas da madrugada, sem hora para acabar. Não há musculatura que não fique
dolorida no dia seguinte, e o coitado do guia acaba sendo o responsável pela
dita “surra de santo”.
[Há também que se considerar os excessos dos próprios médiuns, ou porque não
estão devidamente concentrados e sintonizados no trabalho (distraídos com
conversações inadequadas, risos de zombaria, intenções questionáveis, etc) ou
porque que trazem consigo uma crença de que precisam fazer parecer autêntica a
sua incorporação, para isso jogando-se e girando com violência contra os demais
médiuns, tremendo-se exageradamente e dando grande trabalho para os cambones e
demais orientadores, esquecendo-se de que o fenômeno espiritual deve ocorrer de
maneira harmoniosa, quase que imperceptível para quem vê, embora de grande
intensidade para quem o experimenta, pois trata-se de uma ligação que se
estabelece num nível essencialmente mental-espiritual, gerando um estado
orgânico característico (aumento da frequência da respiração, do batimento
cardíaco, sensação de torpor em determinadas áreas do corpo, etc) mas que deve
ser totalmente comandado pelo médium].
Ocorrem, também, casos de médiuns que, recém-iniciados nas consultas, não sabem
dosar a intensidade da entrega no auxílio aos consulentes. Querendo ajudar a
todos ao máximo, acabam por absorver para si em excesso as energias deletérias
do atendido, e aí não há guia que consiga descarregar a contento, ao final dos
trabalhos, sem que se aparelhos fiquem doloridos no dia seguinte.
Com o exercício mediúnico continuado praticado durante as consultas,
rapidamente o medianeiro aprende a dimensionar suas energias e não se deixa ser
sugado demasiadamente. Obviamente que os elementos são acessórios importantes,
como a volatização do álcool e a fumaça do charuto, que servem como potentes
desintegradores dos miasmas e das negatividades dos consulentes (nos terreiros
em que não se faz uso do álcool e do charuto, naturalmente, a defumação
coletiva e os curiadores dispostos no congá determinam o mesmo efeito).
Outra questão polêmica recorrente é a famosa “surra de santo”. Claro está que a
Umbanda tem um método de persuasão mediúnica bastante peculiar para os
potenciais médiuns, ainda resistentes em assumir suas tarefas.
Certa vez, estávamos em um trabalho de cachoeira, e uma amiga espírita
[kardecista] que tinha ido assistir, a convite, mostrou-se bastante cética em
relação à intensidade das incorporações, duvidando de que o gestual e a dança
fossem necessários, dizendo que aquilo era um condicionamento dos
médiuns.
Repentinamente, ela começou a ficar branca, com a mão geladíssima e a
respiração ofegante. O couro retumbava nos tambores, e iniciou-se um ponto
cantado de Iansã. Nossa amiga incrédula saiu a rodopiar, como se fosse o
próprio raio do Orixá, e entrou na água dançando, em transe mediúnico
inconsciente.
Os cambones permaneceram atrás, para protegê-la de um possível escorregão. Com
alto som e força nos pulmões, nossa amiga deu um grito:
- Epahei!
Em seguida, jogou o corpo para trás, voltando à sua consciência ordinária.
Estupefata pelo fenômeno, com resignada, humildade, confessou ao guia-chefe que
sempre tivera pânico de água e que fazia anos não entrava em rio ou mar. Pediu
desculpas e disse que sabia muito pouco das coisas da Umbanda.
O que não sabíamos é que nossa dançarina molhada estava sendo chamada por uma
cabocla de Iansã para assumir seu compromisso com a Umbanda, isso depois de
trinta e e cinco anos de Espiritismo. Tudo a seu tempo, e hoje essa pessoa, é
laboriosa e dedicada médium em outro terreiro.
Existe muita desinformação em relação à Umbanda e, infelizmente, muitas pessoas
ganham dinheiro com a religião, aproveitando-se do medo de punição que colocam
nos que entram em suas correntes, quando não fazem trabalhos de amarração, para
que seus médiuns não se livrem tão fácil da famosa “surra de santo”, caso
queiram abandoná-los ou trocar de terreiro.
Dia desses, uma consulente passou mal na consulta e nos foi encaminhada, como
sempre acontece nessas ocorrências. Na ocasião, estávamos vibrados
mediunicamente com caboclo Ventania, e se deu o seguinte diálogo entre a
consulente e ele:
- Estou com sérios problemas de saúde. Após várias idas e vindas aos médicos e
hospitais, uma bateria de exames, ressonâncias magnéticas, testes de esforço e
checape geral, nada houve de conclusivo pela medicina até o momento. Sinto
dores no corpo, repentina tontura, caio no chão, na rua, e me machuco. Estou
cansada e não sei mais a quem pedir ajuda. Faz dois anos que abandonei a
“Umbanda” por discordar dos sacrifícios animais e estou desconfiada de que
esteja tomando “surra de santo”. Pergunto se isso é possível.
- Minha filha, possível é, mas nada tem a ver com a Umbanda. Sendo a Umbanda
uma força que nos dá vida, é inexplicável praticá-la como algo que a tira. O
que está havendo com sua mediunidade é que determinados espíritos estão
agarrados em seus chacras e, em determinado momento do dia, quando a senhora
está perambulando em ambientes de baixa vibração como, por exemplo, nas
calçadas próximas a aglomerações humanas, onde os pensamentos profanos e
angustiados se cruzam, encontram eles força para “tomar” seu psiquismo e seus
chacras, sem sua licença.
- Como resolver isso, se eu não aceito voltar ao terreiro e fui ameaçada pelo
babá, pois me disse que o santo não me largaria fácil e que eu iria apanhar e
sofrer?
- Seu livre-arbítrio nesse caso é soberano, como uma águia que voa acima dos
patos. Uma ameaça, quando não encontra sintonia no medo, torna-se pueril e sem
maiores efeitos, qual raio que não atinge a terra. Ao não conseguir se desligar
da imantação magística a que está submetida, que se fortalece por encontrar
receio em seu coração, acaba sendo carrasco de si mesma fortalecendo aquele que
a quer submissa. Embora existam alguns objetos pessoais seu de uso ritual que
ficaram no antigo terreiro, por si só são inócuos, “placebos” mágicos, se não
encontrarem em seu proprietário ligação mental. Afaste o medo e confie no Alto,
que estará a meio passo da libertação.
- Eu posso pedir agô – liberdade – ao meu santo em outro terreiro?
- A liberdade de consciência é um direito seu inalienável que só pertence a
você, a mais ninguém; não requer permissão, seja de quem for, muito menos dos
santos. Os terreiros, templos, centros, igrejas, ilês, são meras construções
terrenas que servem para despertar a confiança faltante nas criaturas
amedrontadas, diante do temor atávico alimentado pelo “igrejismo”, ao longo dos
anos, de não conseguirem se religar ao sagrado sozinhas. Lembra-se de Jesus,
que se “verticalizava” com o Pai a qualquer momento e que nunca disse fora da
igreja não há salvação. Se não existe essa confiança dentro de si, avalie sete
vezes setenta para quem confiará sua caminhada espiritual, pois, se a subida
solitária é árdua, a descida a dois é facílima; o que cai nunca cai sozinho e
se agarra nas escoras rumo ao abismo.
- Estou frequentando o centro kardecista, mas os passes e as irradiações não
estão surtindo efeito. Ao ir a uma cartomante, ela jogou as cartas e me falou
tratar-se de “surra de santo”. Fui conversar com outra pessoa esotérica que
joga búzios, e ele também confirmou na caída. Agora, como me convencerei de que
meu problema de saúde não é de santo? Com aceitar ter que fazer obrigações
pagas para acalmá-los? Estou desanimada e muito triste. Ajude-me!
- Com todo respeito aos irmãos de Kardec, o mero mentalismo espiritista não
surtirá efeito no processo magístico em que está envolvida. Isso não quer dizer
que deva deixar de ir ao centro kardequiano. Na verdade, as diferenças são dos
homens, e o magnetismo peculiar à Umbanda poderá ajudá-la, exclusivamente por
seu compromisso cármico nessa encarnação, já que veio vibrada para ser “cavalo”
de terreiro. Seu problema é mediúnico, uma vez que se encontra em uma indução
intensa por obsessão endereçada contra sua pessoa, por meio da magia negativa.
Não precisa pagar nada neste terreirinho e tenha mais persistência de que o
mundo não vai cair em sua cabeça, nema senhora vai morrer dessa vez.
Tranquilize-se e confie. Antes de andar pagando a este ou aquele quiromante,
segure suas moedas e tenha mais paciência, aprenda a esperar. O imediatismo nas
respostas e o pronto-alívio são ilusões. Se não der continuidade ao menos a
sete encontros com palestra, ritual do fogo e passe nessa choupana, que não lhe
cobrará nada, nem imporá nenhuma obrigação, a não ser sua presença semanal na
sessão, não encontrará facilmente seu reequilíbrio, a não ser que volte para o
abraço do urso, caloroso, mas que pode quebrar suas costelas. Entendeu, filha
afoita?
- Entendi, meu caboclo. Faz dois anos que estou à mercê disso, sete encontros
só podem me fazer bem, pois o mal que vivo, maior do que se encontra, não pode
ficar. Confio e me entrego a esse congá.
- Vai com Oxalá, minha filha. Que todos os Orixás abençoem e que Xangô olhe
para sua fronte alquebrada. Tenha fé, que tudo vai se resolver.
Ao término dessa consulta, junto com o Caboclo Ventania, no Astral, estava uma
falange de caboclos bugres, feiticeiros, comandada por caboclo Ubirajara Peito
de Aço, que se preparava para a movimentação astral da noite. Pelo visto, a
cobra ia fumar, e a coral piar a favor de nossa consulente, para ela não mais
“apanhar de santo”.
Corta língua,
Corta mironga,
Corta lingua de falador.
Na sua espada não há embaraço.
Chegou Ubirajara do Peito de Aço.
Ele é caboclo,
Ele é flecheiro,
Bumba na calunga.
É matador de feiticeiro.
Bumba na calunga,
Quando eu vou firmar meu ponto.
Bumba na calunga,
Eu vou firmar é lá na Angola,
Bumba na calunga.
Arreia capangueiros,
Capangueiros da Jurema.
Arreia capangueiros,
Capangueiros Juremá.
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